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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Biblioteca - Poema “Dezenove de Outubro”, de Santa Helena Magno

 


 

O poeta marajoara Carlos Hipólito de Santa Helena Magno nasceu em Muaná (PA), em 3 de agosto de 1847 e faleceu em 20 de outubro de 1882. Ele foi advogado, professor de geografia no Liceu Paraense e poeta. Publicou o livro Harpejos poéticos (1869) e também publicou alguns poemas no jornal Diário de Belém. Em 1974, o Conselho Estadual de Cultura do Estado do Pará publicou os livros Ondas sonoras: versos (inédito) e Arpejos poéticos: poesias (2.ª edição).

Par saber mais sobre ele, acesse:
https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/autores/?id=14366

Para lembrar dos 140 anos da partida desse estimado poeta paraense-marajoara, selecionamos um de seus poemas publicado na obra póstuma Ondas sonoras.

Boa leitura!

Jorge Domingues Lopes

 

DEZENOVE DE OUTUBRO

 

[Ao colocar-se a lápide comemorativa, do lugar onde foi preso o insigne patriota João Batista Gonçalves Campos — 1878].

 

No altar da pátria mais um círio esplende!

Tarde, mas belo preito, hoje rende

            A glória de um herói:

Abramos, pois, as páginas da história

E a mocidade, que seduz a glória,

            Mostramo-lo qual foi.

 

E era já tempo! a lousa que o guardava

O feudo, há meio século, esperava

            Da nossa gratidão;

E enquanto a história o busto lhe escupia,

Aqui passava indiferente e fria

            A nova geração!

 

Era já tempo! — as tradições brilhantes

Da Independência, e os feitos mais pujantes

            Dos ínclitos avós.

Tudo no olvido rui, tudo se apaga,

E das paixões a marulhosa vaga

            Imerge a todos nós!

 

Aonde a prole dos homérios vultos

Que com o sangue das veias deram cultos

            À liberdade e à glória?

Quando na noite do passado os vemos

Colossais alvejarem quase os cremos

            Mastodontes da história!

 

Ah! rasguemos o crepe funerário

Que a nossos olhos vela o santuário

            Desta pátria gentil,

E acima da caligem da poeira

Que os partidos levantam, a bandeira

            Ergamos do Brasil!

 

Soprai as cinzas, despertai de novo

A moribunda luz n’alma do povo

            Que dormita a sonhar;

E então vereis — cadáver redivivo —

Das belas crenças um clarão mais vivo

            A fronte lhe banhar!

 

Era em Setembro... do Ipiranga o brado

Pelos vales do sul tinha ecoado

            Desde o campo à cidade;

Ébrio de gozo um povo estremecia

E as algemas dos pulsos sacudia

            Saudando a liberdade!

 

Como os de Cadmo fabulosos dentes,

O sangue do famoso Tiradentes

            Brotava legiões;

Sorrindo o moço — Império despertava

Do sono de três séculos, — e tomava

            Lugar entre as nações.

 

Entretanto aqui nas margens do Amazonas,

Nestas soberbas, bem-fadadas zonas

            Medrava a tirania;

E, como a boa nos potentes laços

Aperta a caça, — nos seus férreos braços

            Ela o povo premia!

 

Ora, a Imprensa era o sopro onipotente

Que o novo gérmen, que a centelha ardente

            Ia ao longe levar;

Era açoite do crime e da maldade;

Era o fanal da doce liberdade

            Que convinha apagar!

 

E Patroni caiu... calcado à pata

Do despotismo atroz, que lhe arrebata

            Das mãos a pena ousada!

Baldado esforço! os ferros e o martírio

Acendem n’alma a febre do delírio

            Pela ideia esposada!

 

Sucede-lhe outro herói — Batista Campos

Que levantava do seu verbo aos lampos

            Da justiça o clamor;

Cuja alma, que nos astros adejava,

Longe entrevia a luz, que já dourava

            Das terras o pendor!

 

Do despotismo a rígida vergasta

Tenta quebrá-lo, aos cárceres o arrasta

            Soldadesca coorte...

Mas do verdugo é rápido o sucesso;

Rompendo as malhas do brutal processo

            O herói surgiu mais forte!

 

Em vão, em vão, oh! pérfida serpente

Tentas nas roscas enlaçar o colo

            Da filha de Cabral;

Como a floresta do Equador, frondente

Faz-se a vergônteas neste virgem solo

            A árvore colossal!

 

Porém, cautela... O angelim possante

Resiste firme ao repelão dos ventos,

            E arrasta o furacão;

Mas se o verme roaz lhe ataca o cerne

O gigante das selvas cambaleia,

            E imenso alastra o chão.

 

Tal se as fibras de um povo lentamente

Corrói o vício e afoga-se-lhe a crença

            No gozo vil que o doma,

Mórbida vida arrastará na terra

E irá sumir-se em triste cataclismo:

            Tais foram Grécia e Roma!

 

Soprai as cinzas, despertai de novo

A moribunda luz n’alma do povo

            Que dormita a sonhar;

E quando aqui passar a mocidade,

O mártir precursor da liberdade

            Há de em Campos saudar!...

 




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