O poeta marajoara Carlos Hipólito de Santa Helena Magno nasceu em Muaná (PA), em 3 de agosto de 1847 e faleceu em 20 de outubro de 1882. Ele foi advogado, professor de geografia no Liceu Paraense e poeta. Publicou o livro Harpejos poéticos (1869) e também publicou alguns poemas no jornal Diário de Belém. Em 1974, o Conselho Estadual de Cultura do Estado do Pará publicou os livros Ondas sonoras: versos (inédito) e Arpejos poéticos: poesias (2.ª edição).
Par saber mais sobre ele, acesse:
https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/autores/?id=14366
Para lembrar dos 140 anos da partida desse estimado poeta paraense-marajoara, selecionamos um de seus poemas publicado na obra póstuma Ondas sonoras.
Boa leitura!
Jorge Domingues Lopes
DEZENOVE DE OUTUBRO
[Ao colocar-se a lápide comemorativa, do lugar onde foi
preso o insigne patriota João Batista Gonçalves Campos — 1878].
No altar da pátria mais um
círio esplende!
Tarde, mas belo preito, hoje
rende
A glória de um herói:
Abramos, pois, as páginas da
história
E a mocidade, que seduz a
glória,
Mostramo-lo qual foi.
E era já tempo! a lousa que o
guardava
O feudo, há meio século,
esperava
Da nossa gratidão;
E enquanto a história o busto
lhe escupia,
Aqui passava indiferente e fria
A nova geração!
Era já tempo! — as tradições
brilhantes
Da Independência, e os feitos
mais pujantes
Dos ínclitos avós.
Tudo no olvido rui, tudo se
apaga,
E das paixões a marulhosa vaga
Imerge a todos nós!
Aonde a prole dos homérios
vultos
Que com o sangue das veias
deram cultos
À liberdade e à glória?
Quando na noite do passado os
vemos
Colossais alvejarem quase os
cremos
Mastodontes da história!
Ah! rasguemos o crepe funerário
Que a nossos olhos vela o
santuário
Desta pátria gentil,
E acima da caligem da poeira
Que os partidos levantam, a
bandeira
Ergamos do Brasil!
Soprai as cinzas, despertai de
novo
A moribunda luz n’alma do povo
Que dormita a sonhar;
E então vereis — cadáver
redivivo —
Das belas crenças um clarão
mais vivo
A fronte lhe banhar!
Era em Setembro... do Ipiranga
o brado
Pelos vales do sul tinha ecoado
Desde o campo à cidade;
Ébrio de gozo um povo
estremecia
E as algemas dos pulsos sacudia
Saudando a liberdade!
Como os de Cadmo fabulosos
dentes,
O sangue do famoso Tiradentes
Brotava legiões;
Sorrindo o moço — Império
despertava
Do sono de três séculos, — e
tomava
Lugar entre as nações.
Entretanto aqui nas margens do
Amazonas,
Nestas soberbas, bem-fadadas
zonas
Medrava a tirania;
E, como a boa nos potentes laços
Aperta a caça, — nos seus
férreos braços
Ela o povo premia!
Ora, a Imprensa era o sopro
onipotente
Que o novo gérmen, que a
centelha ardente
Ia ao longe levar;
Era açoite do crime e da
maldade;
Era o fanal da doce liberdade
Que convinha apagar!
E Patroni caiu... calcado à
pata
Do despotismo atroz, que lhe
arrebata
Das mãos a pena ousada!
Baldado esforço! os ferros e o
martírio
Acendem n’alma a febre do
delírio
Pela ideia esposada!
Sucede-lhe outro herói — Batista
Campos
Que levantava do seu verbo aos
lampos
Da justiça o clamor;
Cuja alma, que nos astros
adejava,
Longe entrevia a luz, que já
dourava
Das terras o pendor!
Do despotismo a rígida vergasta
Tenta quebrá-lo, aos cárceres o
arrasta
Soldadesca coorte...
Mas do verdugo é rápido o sucesso;
Rompendo as malhas do brutal
processo
O herói surgiu mais forte!
Em vão, em vão, oh! pérfida
serpente
Tentas nas roscas enlaçar o
colo
Da filha de Cabral;
Como a floresta do Equador,
frondente
Faz-se a vergônteas neste
virgem solo
A árvore colossal!
Porém, cautela... O angelim
possante
Resiste firme ao repelão dos
ventos,
E arrasta o furacão;
Mas se o verme roaz lhe ataca o
cerne
O gigante das selvas cambaleia,
E imenso alastra o chão.
Tal se as fibras de um povo lentamente
Corrói o vício e afoga-se-lhe a
crença
No gozo vil que o doma,
Mórbida vida arrastará na terra
E irá sumir-se em triste
cataclismo:
Tais foram Grécia e Roma!
Soprai as cinzas, despertai de
novo
A moribunda luz n’alma do povo
Que dormita a sonhar;
E quando aqui passar a
mocidade,
O mártir precursor da liberdade
Há de em Campos saudar!...