LETRAS
Jorge Domingues Lopes
Acabo de entrar na sala de aula e ainda sem acreditar que estou aqui e que, a partir de hoje, já sou uma UNIVERSITÁRIA. Sim, uma estudante do Curso de Letras! Adeus Ensino Médio, foi bom enquanto durou. Mentalmente repito esse “título” conquistado com tanto esforço, já que foram dias e noites, durante meses, debruçada sobre pilhas e pilhas de livros de todas as matérias. Valeu a pena, sim, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”! Aqui estou. Quase não consigo me segurar de tanta felicidade, bem diferente da minha família, que ainda está sob o efeito da notícia que dei no dia do resultado do vestibular.
Naquela manhã em que ouvi meu nome ser lido no rádio, corri do quarto pra sala gritando pra todo mundo saber que eu tinha passado no vestibular. Ainda lembro dos rostos de meus pais, naquele momento, se iluminarem de alegria com muita ternura. Mas... logo viria a fatídica pergunta que mudaria tudo: “Em que curso você passou, filha?”. Então, acreditando que eles, diante de toda aquela euforia, pouco se importariam com a resposta, eu disse: “Em Letras!”. Naquele instante, eles se entreolharam, como se não tivessem ouvido direito o que eu tinha acabado de dizer. Contente, repeti: “Passei em Letras na Universidade Federal do Pará!”. Para um pai dentista e uma mãe engenheira civil, as expectativas de formação universitária da única filha não se voltavam, com certeza, para opções fora dos restritos círculos das ciências da saúde, das engenharias ou, até mesmo, das ciências biológicas. Humanas e Letras sequer eram lembradas como áreas existentes no espaço universitário.
Apesar do silêncio que se fez naquele dia tão marcante para mim, não cogitei, em nenhum momento, desistir do que eu, sozinha, tinha escolhido e lutado para conseguir. Não preciso dizer que recebi propostas tentadoras para eu me matricular no melhor curso de medicina da faculdade particular mais cara da cidade ou no curso mais “top” de direito. Ouvi tudo isso e, com muita calma e cuidado, agradeci as ofertas e expliquei serenamente que eu queria experimentar o curso para o qual eu tinha sido aprovada.
Eu, sendo ainda tão jovem, não poderia ter tanta segurança sobre uma escolha que definiria meu futuro, pensavam meus pais. Pode até ser que eu esteja tomando uma decisão precipitada ao abrir mão de todas as possibilidades que eles podem me proporcionar, mas, sabe aquela sensação de que algo te espera do outro lado do espelho? Aquela vontade de fazer o tempo correr mais rápido só pra que chegue logo a hora do encontro? E quando o encontro começa, a vontade de segurar o tempo para que ele nunca acabe? Sabe aquela sensação que te faz suar as mãos e sentir um frio no estômago? Então, é desse jeito que eu estou. Um encontro marcado com meu Curso! Sim, estou muito ansiosa, curiosa, com uma pontinha de medo, mesmo já sabendo mais ou menos o que vou estudar — porque li tudo o que pude sobre o Curso e também participei de uma Feira do Vestibular, onde vi e ouvi pessoas falarem com paixão do que estudavam e ensinavam nessa área. Se me perguntarem agora o que me levou a tomar essa decisão, eu, sinceramente, não saberia responder. Só aconteceu. Não dá pra explicar a paixão. Só sei dizer que, no silêncio que antecede a minha primeira aula, estou me sentido plena, universitária e, por isso, escrevo estas palavras com Letras repletas de ternura e paz.
Citação: LOPES, Jorge Domingues (org.). Letras. In: 35 anos do Curso de Letras do Campus do Tocantins/Cametá-UFPA – Antologia. Cametá, PA: Faculdade de Linguagem, 2022. p. 28-29.